Summary: Com o risco do esgotamento dos recursos energéticos não renováveis, vários países passaram a investir em pesquisa com fontes renováveis de energia. Dentre essas fontes, merece destaque o aproveitamento de biomassa desperdiçada de atividade agrícolas. Esse recurso tem elevado potencial energético.
O Brasil, tem se destacado no avanço em tecnologia de geração de energia alternativa, por meio do uso de energias limpas, como a solar, eólica e hidráulica. Mais recentemente, a energia da biomassa do terceiro setor gerada do pré-processamento agrícolas e florestais (LORA; ANDRADE, 2009).
A disponibilidade de resíduos provenientes do pré-processamento de produtos agrícolas como café, arroz e cacau, entre outras culturas, é grande. No pré-processamento do café, por exemplo, aproximadamente 21% desse produto são transformados em resíduos, que apresentam poder calorífico de 17.500 kJ.kg-1 (MAGALHÃES et al., 2007). Já no pré-processamento do cacau são produzidas toneladas de casca do fruto, fração essa que representa 80% do fruto (SILVA NETO et al., 2001).
O uso da biomassa proporciona menor emissão dos gases de efeito estufa quando comparado aos combustíveis fósseis, vantagem esta que desperta o interesse na disseminação dessa fonte energética, uma vez que a preocupação ambiental é um dos pilares da sustentabilidade.
A biomassa é todo recurso renovável oriundo de matéria orgânica de origem animal ou vegetal e que pode ser utilizada na produção de energia. Os resíduos agrícolas são fontes de biomassa resultantes das atividades da colheita e beneficiamento da produção agrícola. Resíduos de cascas e outros sub-produtos lignocelulósicos, podem ser utilizados como combustíveis. O potencial disponível nestes resíduos nem sempre é bem conhecido, porém corresponde a volumes significativos de energia disperdiçada. Atualmente, o Brasil não aproveita mais de 200 milhões de toneladas de resíduos agroindustriais. Parte dos resíduos não aproveitados energeticamente é geralmente utilizado na alimentação animal e adubação (LORA; ANDRADE, 2009).
Nesse último século a energia da biomassa começou a perder sua liderança histórica para a energia do carvão mineral e, como consequência do aumento da produção do petróleo e do gás natural, a sua utilização ficou restrita a atividade doméstica da zona rural (CORTEZ et al., 200).
No entanto, a exemplo da cana de açúcar que utiliza o bagaço como fonte de energia, o Brasil é um grande produtor de amêndoas de cacau, que apresenta em sua cadeia produtiva, resíduos que, assim como os resíduos da cana, tem potencial energético.
A casca dos frutos frescos é o principal resíduo, sendo esse gerado após a quebra e separação das sementes. Esse resíduo tem potencial de aproveitamento, destacam-se o uso na alimentação animal (AREGHEORE, 2002), extração de pectinas (VRIESMANN et al., 2011), gomas (FIGUEIRA et al., 1993), produção de fertilizantes orgânicos por compostagem (SODRÉ et al., 2012) e como fonte de energia renovável (SYAMSIRO et al., 2011). Cerca de 6 toneladas, em média, de casca fresca, oriundas do processo de quebra dos frutos de cacau, são produzidas anualmente por hectare (SODRÉ et al., 2012).
A biomassa residual de atividade agrícola tem poder calorífero comparado ao próprio petróleo. Segundo Ripoli (2000), uma tonelada de palhada de cana-de-açúcar equivale 1,2 a 2,8 EBP (equivalente barris de petróleo), sendo encontrados de quatro a nove toneladas de palhada (peso seco) por hectare de canavial.
A biomassa residual da casca de frutos, do bagaço de cana-de-açúcar e de outras frações não aproveitadas economicamente são fontes de polímeros de carboidratos ricos em energia depositados na parede celular dos resíduos não aproveitados. A energia armazenada nas ligações glicosídicas dos polissacarídeos da parede celular (celulose e hemiceluloses) dessa massa residual pode ser utilizada na produção de bioenergia como alternativa ao uso de combustíveis fósseis (BUCKERIDGE et al., 2010). No entanto, a parede celular é uma estrutura recalcitrante à degradação biológica, sendo difícil o acesso a esta energia (CARROL e SOMERVILLE, 2009). Segundo Cortez (2008), a utilização desta energia armazenada poderia aumentar a produção de etanol em até 40%.
O principal polissacarídeo da parede celular vegetal é a celulose, um polímero linear formado por resíduos de glicose ligados entre si por ligações glicosídicas do tipo β (1→4). O segundo componente mais abundante na parede celular são as hemiceluloses. São polissacarídeos ramificados interligados a microfibrilas de celulose através de pontes de hidrogênio (THOMPSON 2005). É constituída por resíduos de xilose, manose, galactose, fucose e arabinose. A lignina é a terceira fração mais abundante na parede celular. É um polímero complexo, com estrutura de natureza aromática e alto peso molecular. É formado por diversas combinações de três tipos de resíduos: a lignina guaiacila, siringila e p-hidroxifenila (FENGEL e WEGENER 1989). É sintetizada a partir da oxidação desidrogenerativa de três alcoóis monolignóis (coniferílico, sinapílico e p-cumarílico), respectivamente (RAES et al. 2003).
A utilização dos polissacarídeos de parede celular para a produção de etanol em larga escala ainda não ocorre de maneira eficiente, principalmente devido a problemas decorrentes da otimização do processo. Alguns coquetéis comerciais compostos por enzimas hidrolíticas promovem a degradação da biomassa. Contudo, o tempo de degradação ainda é alto, elevando o custo do processo (SOCCOL et al., 2010). Esta dificuldade está relacionada ao fato de os polissacarídeos da parede celular não estarem prontamente disponíveis, pois a lignina e outros compostos aromáticos estão ligados à celulose e à hemicelulose, protegendo-as fisicamente.
Uma das formas já possíveis de liberação destes polissacarídeos é através de um pre-tratamento químico, que pode ser seguido de hidrólise ácida para a degradação dos açúcares, separando os monossacarídeos. Nos processos industriais, a hidrólise ácida tem sido realizada principalmente com o ácido sulfúrico. Uma das dificuldades da hidrólise ácida está na necessidade de neutralização da solução contendo açúcares para proceder à fermentação, geralmente, utilizando-se hidróxido de cálcio, que não é recuperado.
O uso de ácidos reduz o tempo de vida dos equipamentos, além de produzir resíduos tóxicos às leveduras como os furfurais, que são gerados a partir do ataque dos ácidos aos açúcares livres (BUCKERIDGE et al., 2010). Também são gerados compostos não fermentáveis, contribuindo consideravelmente para o aumento nos custos do processo.
Um processo mais eficiente do que a hidrólise ácida é o uso de enzimas que hidrolisem a parede celular, rompendo as ligações entre os polissacarídeos presentes, liberando monossacarídeos que poderão ser fermentados para a produção do etanol. O uso de enzimas hidrolíticas tem algumas vantagens sobre o pre-tratamento químico e a hidrólise ácida, como temperaturas e valores de pH mais amenos, levando a necessidade de uso de reatores mais simples e mais baratos. Por outro lado, esse processo requer o uso de maquinaria complexa e enzimas específicas produzidas por microrganismos e/ou pelas próprias plantas.
A maquinaria bioquímica de desmonte da parede celular presente em microrganismos como fungos e bactérias representa a maior expectativa para viabilização do etanol celulósico em longo prazo (BUCKERIDGE et al., 2010). Para acessar a celulose, os microrganismos necessitam hidrolisar as hemiceluloses que recobrem as microfibrilas. Alguns estudos demonstram que fungos dos gêneros Trichoderma e Penicillium produzem diversos tipos de glicosidases, celulases, quitinases, proteases e lipases, entre outras hidrolases que tem ação na degradação da parede.
Outro desafio para a obtenção de etanol a partir de celulose está na fermentação de pentoses. A parede celular do tipo II, presente em cana-de-açúcar possui como uma de suas hemiceluloses principais o arabinoxilano, que é composto das pentoses xilose e arabinose (BUCKERIDGE et al., 2010). Algumas espécies como o fungo Pachysolen tannophilus são capazes de utilizar xilose e fermentar parcialmente outras pentoses depois de consumirem a glicose e a celobiose disponíveis.
Um modelo que diferencia a composição química da parede celular de Eudicotiledôneas e Monocotiledôneas tem sido proposto. Carpita e Gibeaut (1993) propuseram que no reino vegetal as paredes celulares poderiam ser divididas em paredes do tipo I e do tipo II. A divisão proposta foi baseada principalmente na composição das hemiceluloses e na proporção entre as matrizes. Na parede do tipo I, o xiloglucano é a principal hemicelulose e as proporções entre os domínios são: 30% de celulose, 30% de hemiceluloses, 30% de pectinas e 10% de proteínas.
A parede do tipo II é característica das plantas da família Poaceae (gramíneas). Esse tipo de parede, em contraposição à do tipo I, apresenta um teor bem menor de pectinas (quase zero em certos casos) e teores igualmente baixos de xiloglucanos (CARPITA e GIBEAUT, 1993). Nas paredes do tipo II, as principais hemiceluloses são o β-glucano ou glucano de ligação mista e o glucuronoarabinoxilano (GAX).
O conhecimento da estrutura, composição e tipos de ligação das hemiceluloses é fundamental para definir as estratégias tecnológicas a serem empregadas no desmonte de parede celular de biomassa residual de diferentes práticas agrícolas. O resultado final está no domínio de tecnológica para novas fontes de bioetanol.
Referências
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Starting date: 2015-05-05
Deadline (months): 24
Participants:
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Coordinator * | Geraldo Rogério Faustini Cuzzuol |